sábado, 6 de junho de 2009

TRIBUTO

Carlos Cesar Peff Novaes
http://carlosnovaes.blogspot.com/

Conheci Hélcio da Silva Lessa como professor do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, onde fiz meu curso de teologia. Foi uns dos meus mestres. Com quem aprendi, ao lado de Darci Dusilek e Walter Wademann - outros dois personagens dessa trindade acadêmica que influenciou gerações de alunos - a valorizar a razão e a reflexão , sem necessariamente vê-las como inimigas da fé. No que concerne a Hélcio Lessa, aliás, a visão crítica e irônica, por vezes sarcástica, que cultivava em relação às igrejas, à denominação e aos evangélicos em geral, incomodava muita gente acostumada somente a engolir o que lia e ouvia sem maiores aferições ou ponderações.
Certa vez sentou-se do meu lado, ao iniciar uma das nossas conversas, e detonou: "Estou procurando alguém que consiga me provar que quando Jesus Cristo pensou em igreja, havia pensado nisso tudo que anda por aí". Fiquei olhando para ele à espera do inevitável complemento jocoso, que não tardou: "E se alguém conseguir me provar que era isso mesmo que o Senhor Jesus queria, vou ter que começar a desconfiar do bom senso do Mestre".
E olha que naquele tempo, lá por meados da década de 80, nem tínhamos essa explosão de igrejas neopentecostais, escândalos de pastores sendo acusados de fraudes fiscais, comunidades abertas em cubículos que se denominam sedes mundiais, programas de televisão anunciando curas e prodígios espetaculares, desfiles de pseudoartistas que se apresentam cantando essa música desprovida de qualquer beleza estética e qualificada de gospel, estranhas eclesiologias hierárquicas com seus bispos e apóstolos e os apelos manipuladores que só pretendem extorquir os desavisados para sustentar projetos pessoais de poder e estrelismo.
Hélcio também criticava a denominação, sem dúvida. E demonstrava ter uma visão aguçada e lúcida dos sinais dos tempos, acusando especialmente os líderes da época de conduzirem os caminhos denominacionais sem metas ou desafios contemporâneos, elaborando planos e programas com aparência de atualidade e ineditismo, mas que conservavam uma permanente defasagem de, ao menos, cinquenta anos em relação aos desafios e apelos da sociedade moderna. Costumava dizer que, de modo ingênuo, a liderança denominacional continuava aplicando métodos rurais, do início do evangelicalismo no Brasil, em contextos urbanos.
E olha que naquele tempo tínhamos respeitáveis nomes envolvidos na liderança batista - como Rubens Lopes, José dos Reis Pereira, João Filson Soren, Irland Pereira de Azevedo - todos muito acima, muito acima mesmo, de uma escumalha que hoje se apodera de certos cargos denominacionais exalando mediocridade por todos os poros.
Hélcio Lessa foi um dos fundadores do movimento Diretriz Evangélica, juntamente com David Malta Nascimento e Lauro Bretones, entre outros. O movimento surgiu nos anos 50 propondo uma ação mais explícita da igreja para além da mera pregação conversionista em face das gravíssimas questões sociais. Era quase uma primeira proposta de Teologia da Libertação antes do que aconteceria na Conferência de Medellin, em 1968.
Além de tudo, foi missionário em Portugal durante 10 anos e pastor da Igreja Batista de Itacuruçá, no Rio de Janeiro, por mais de três décadas.
No final do ano passado, fui visitá-lo com David Malta. Já estava de cama, sem poder locomover-se e com bastante dificuldade para se comunicar. Saí de lá triste. Era outro Hélcio, muito distante daquele de pensamento ágil e dinâmico raciocínio, que parecia possuir todos os contra-argumentos para qualquer argumento.
Foi-se. Foram-se também Dusilek e Wademann.
E eu, tal qual o poeta Drummond, vou carregando meus mortos no lado esquerdo do peito - e, por isso, ando meio de banda.