quinta-feira, 28 de maio de 2009

David Malta Nascimento, meus respeitos

Em 1975, David Malta Nascimento começou a fazer parte da história de minha vida. O David Malta de 1975 não era este de 2009. Aquele era feroz, este, doce. Ambos, íntegros e justos.
A noite em que me converti foi também a primeira vez que entrei em uma igreja evangélica. Ao apelo do pr. David, atendi sozinho. Primeiro domingo de 1975, eu envolvido por abraços de desconhecidos. Dois amigos estavam comigo: Wanderley e Zé Roberto. Zé dizia no meu ouvido: “Se soubesse que tinha tantos abraços, me converteria, também”.
Meu começo em Barão foi difícil. Tempo de estranheza. O pr. David não ajudou muito. Para quem vinha das ruas, seu sermão era empolado, cheio de termos familiares aos batistas mais antigos. Apoio recebi do pr. Niltho Curty, ministro auxiliar, professor da classe de catecúmenos.
David Malta era um pastor distante. Por temperamento, talvez. Não estranhava o fato de ele pastorear sem a família. A esposa, d. Helena, sempre foii membro da IB Itacuruçá. Via-o como a um padre, não conhecia a tradição evangélica. Barão foi minha primeira igreja e por algum tempo não sabia o motivo de estar ali. Achava que não ficaria muito tempo. Fiquei.
Tive alguns entreveros com David Malta. No começo, não gostava da forma como ele pregava. Irritavam-me seus gritos, seus socos no púlpito. Já ambientado na igreja, discutimos algumas vezes por causa do jornal que eu fazia para a Juventude. Havia sempre um ocioso irmão para mostrar a ele artigos que não deveriam sair em uma publicação de igreja. As pessoas não evoluem.
Apesar das diferenças, o pr. David jamais me perseguiu. Nunca sugeriu outro nome para dirigir o jornal. Em todas as eleições da Juventude ele estava presente. Hoje, em muitas igrejas batistas (sei lá se são batistas), pensar diferente é garantia de receber um convite do pastor para ir cantar em outra freguesia.
Em 1980, fui para o Seminário, apoiado financeiramente pela igreja. Lá conheci o David Malta reitor. Contestado por alguns, respeitado pela maioria. A saída de David Malta da direção do Seminário marcaria o começo do fim da hoje deprimente instituição de ensino teológico.
Em Barão, me casei, cresci como crente e, graças a Rosangela, minha esposa, passei a olhar David Malta com outros olhos e o que vi me encanta até hoje. David Malta e Ruth são as duas pessoas que mais admiro. Quem é Ruth? Não importa, agora.
Um dos aspectos agradáveis de ter trabalhado na CBB foi o fato de poder privar mais da companhia de David Malta, que voluntariamente, dava “expediente” por lá. David Malta crê na recuperação denominacional. E porque ele crê, creio, também.
Quando aposentou-se, teve a felicidade de ser sucedido por um pastor que o admira e respeita: Carlos Cesar Peff Novaes, um irmão em armas. Quantos pilantras assumem o púlpito de uma igreja e comportam-se como políticos que vivem a apontar as mazelas da “administração anterior”.
Sábado, 23 de maio, a Igreja Batista de Barão da Taquara, prestou belíssima homenagem a seu pastor emérito. No culto houve vários momentos emocionantes: a palavra do pr. José Carlos Torres, amigo de todas as horas; a pregação do pr. Novaes; o canto coral. Novaes destacou qualidades do pr. David que todos conhecemos: sempre usou o tempo como aliado; foi e é profeta, a voz do inconformismo e da disposição para lutar por causas justas; e o desprendimento de se dar pela denominação que ama.
Em seu longo pastorado, mais de 40 anos, David Malta sempre preservou suas ovelhas. Jamais as expôs à execração pública. Lembro-me de, ainda no Seminário, ter ouvido do professor Israel Belo: “Não se pode dizer que o pr. David Malta é injusto”.
Depois do culto, que contou com grande número de familiares, a Igreja desceu para o salão de festas e participou de homenagem de aniversário esplendidamente organizada.
Em uma mesa, eu conversava, animadamente, com amigos. De onde estava, olhava o pr. David ao lado da esposa, drª Helena. Pensei que deve ser muito gratificante chegar aos 90 anos e ver, concretamente, a obra realizada porque, em um momento da vida, a voz de Deus foi ouvida e obedecida.
David Malta Nascimento é, hoje, uma das poucas grandes figuras de nossa combalida denominação, tomada de assalto por aventureiros. Mas uma denominação que produz um David Malta (e não só), talvez ainda tenha algum futuro. Em meus momentos otimistas, creio nisso.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

ET

Em 1980, entendi que devia ir para o Seminário. O bom batista, no Rio, ou ia para o Seminário do Sul ou o Betel. Havia outros, mas nem eram considerados por quem desejava fazer um curso razoável. Hoje há centenas de seminários. Tudo meia bomba. Inclusive os dois citados no início.
No segundo semestre daquele ano, conheci Jerry Stanley Key. Era professor de Homilética e a primeira parte de sua disciplina estudávamos depois de seis meses de seminário.
Eu era um tímido mórbido. Já deixara o curso de História da UFF por não conseguir me apresentar à frente da turma. O trabalho final de Homilética era, lamentavelmente para mim, pregar um sermão diante da turma.
Postei-me diante dos algozes, encapsulado em terno e gravata, e, claro, fracassei. No meio do sermão, desisti do curso.
O tempo passou, dez anos depois vencera a timidez de falar em público (ainda tenho certa aversão a seres humanos). A igreja foi minha escola. Voltei ao seminário, fiz Homilética e fui aprovado com louvor.
Quando soube da homenagem que os ex-alunos de Jerry Key prestariam a ele no seminário, venci minha resistência de ir à ex-casa de profetas e, também por causa da carona do amigo Wander, fui até lá. Ótimo ter ido. Revi algumas pessoas queridas e pude participar da homenagem a um professor como já não existe naquela decadente instituição.
Jerry Stanley Key é homem ético, íntegro, conhecedor da matéria que ensinou e dedicado a seus alunos. Não foi unanimidade entre alunos. Havia quem não o suportasse. Mas não há, entre os que estudaram com ele, quem não reconheça as qualidades que listei. O que, convenhamos, é muito mais do que a esmagadora maioria dos professores oferece, hoje.
Jerry Key, visto com meus olhos de hoje, parece um extraterrestre. O carinho genuíno que demonstra por sua esposa Joana (também homenageada), a identificação com o país e o povo brasileiro, sua disciplina física e espiritual são todas características que impressionam.
Jerry Key conhecia tão bem o português que fazia reparos nos textos dos seminaristas desatentos. Hoje não seria vantagem. Há líderes denominacionais que não conseguem juntar duas frases e a elas dar sentido.
No encontro, realizado dia 11 de maio, falaram ex-alunos, ex-reitores, pregou o pr. Key e, no final, houve uma reunião para uma foto. Nesta hora eu saí, de fora, olhei a capela do Seminário, sentei-me no meio-fio e, como um personagem de Nelson Rodrigues, chorei lágrimas de esguicho pensando no triste fim do outrora glorioso Seminário do Sul.